A entrada da criança na escola

A entrada da criança na escola constitui um marco na sua vida. Para muitas delas, representa uma linha divisória, é a saída do aconchego familiar para a conquista de um mundo novo, por vezes ameaçador.

Para nós, adaptação é um processo gradativo, como diz Balaban (1988), o qual é vivenciado diferentemente por cada criança. Esse processo vai sendo conquistado/construído nas interações com os outros – crianças, professores e pais – e com o meio – escola e casa. Além disso, considerar a adaptação como um processo significa também levar em consideração o trabalho pedagógico, tanto no que se refere aos conteúdos como às metodologias (Rêgo, 1995).

É um momento de responsabilidades partilhadas entre escola e família, considerando que essa criança em processo de adaptação tem uma história de vida, passou por inúmeras experiências e que faz parte de um determinado grupo social.

Por outro lado, acrescenta Balaban (1988), é um período permeado de emoções diversas, como: medo, ansiedade, insegurança, dentre outros, para todos os envolvidos – professores, pais e, em particular, as crianças. Descreve, ainda, que os sentimentos vivenciados pelas crianças são muito mais intensos nesse período e que as suas expectativas acerca dos adultos influenciam nesse processo.

As crianças reagem diferentemente. Furman (apud Balaban, 1988, p.13) afirma que “é um engano comum pensar que quando a criança pequena que ‘não se importa’ quando seus pais a deixam ou quando ela os deixa, tenha elaborado bem a separação. A criança que realmente a elabora bem, permite a si mesma que sinta falta da pessoa querida que está ausente, que se sinta triste, sozinha e talvez até zangada, e se permite expressar seus sentimentos de maneira apropriada”. Nesse sentido, é preciso que o professor, ainda mais que os pais, esteja seguro para conduzir esse processo diferente em cada criança, apresentando uma maior estabilidade para lidar, paciência para esperar o tempo de cada um, pois. E, acima de tudo, saber intervir no momento certo.

Já os pais, em sua maioria, sentem-se ansiosos e divididos entre a perspectiva de ver seus filhos conquistando novos espaços, ao mesmo tempo, de ter que deixá-los com pessoas desconhecidas. Não raras vezes sentem-se ameaçados de perder o amor de seus filhos ou ter que dividi-los com outros.

É uma fase de expectativa e excitação com a perspectiva de encontrar um novo grupo de crianças e o constrangimento de contar com a presença dos pais dentro da sala de aula. Balaban (1988) lembra que além destes aspectos, os professores são tomados por lembranças passadas, algumas positivas outras negativas, relacionadas ao início de sua vida escolar, bem como de outras experiências pessoais que envolvem separação, as quais podem dificultar o processo de adaptação das crianças. Mas, são eles que nesse processo são a ponte de estabilidade e de clareza acerca de como devem agir com os pais e com as crianças.

Considerando a importância desse momento e de outros tantos aspectos nele envolvidos, o NEI vem encaminhando um trabalho que possibilite à criança em particular, vivenciar esse processo o menos doloroso possível, no qual ela se sinta amada e possa fazer novas descobertas.

 

 O papel dos pais na adaptação:

  • Participar da primeira reunião mais ampla entre professores, coordenação e direção com os pais novatos (Rêgo, 1995).
  • Frequentar os encontros com professores para participar de conversas no sentido de conscientizar-se sobre a importância do momento de adaptação, do seu papel nesse processo, favorecendo o surgimento de questões/ dúvidas/ sentimentos;
  • Participar das entrevistas para os professores obterem informações mais singulares de cada uma;
  • Visitar a escola com a criança antes do inicio das aulas;
  • Encarar a entrada da criança na escola como uma etapa natural na vida para evitar de suscitar expectativas excessivas em torno do fato (ou colocar a escola como o “bicho papão”);
  • Conversar com a criança sobre outras crianças, do seu convívio, que já estejam indo à escola;
  • Falar da escola para a criança como um lugar interessante, com coisas boas para fazer, brincar, amigos para conhecer e uma professora que vai cuidar. Não utilizar-se da escola como ameaça e corretivo às coisas que fez de errado em casa;
  • Ter paciência, persistência e segurança. Não desistir de trazê-la porque ela chora;
  • Acompanhar a criança nesse momento: a mãe ou o pai ou avó ou a babá;
  • Permitir que a criança traga de casa nos primeiros dias o objeto que ela ainda não consegue se separar por muito tempo, como: chupeta, pano, boneco etc.;
  • Evitar saídas às escondidas, fazer despedidas sem mentiras, com firmeza e sinceridade, não prolongando esse momento além do necessário;
  • Permanecer na sala até o terceiro dia. No quarto e quinto dias ficarão em outros espaços, mais afastados da sala e serão avisados pela professora a necessidade ou não de sua presença.

 

Obs.: É importante saber que na escola, os cuidados individuais com a criança, muitas vezes, não serão atendidos de imediato, uma vez que o trabalho é desenvolvido no coletivo e que a criança irá percebendo esse aspecto, aprendendo a esperar e a fazer algumas coisas sozinhas. É nesse ambiente, enfrentando situações conflitivas, que ela construirá sua autonomia;

Enfim, o papel dos pais, é antes de tudo, transmitir segurança e apoio com paciência nesse momento, procurando reagir o mais calmo e seguro possível diante dos comportamentos que inevitavelmente podem surgir, como choro, vômito, mordidas, dentre outros.

 

O papel dos professores na adaptação:

  • Lidar conscientemente com os fatos e as representações que estão sendo formadas;
  • Estabelecer uma relação afetiva de confiança, amizade e cooperação com seus pares, os pais, os coordenadores e, principalmente, com as crianças;
  • Receber as crianças na própria sala de aula por esse ser um local menor e mais aconchegante, com uma quantidade de pessoas reduzida, além da sala;
  • Cuidar pessoalmente de todas as questões que se referirem às crianças, deixando que os outros adultos da escola ajudem em outras tarefas, o que favoreceria uma ligação mais rápida e confiante das crianças com os professores;
  • Planejar a primeira semana e discutir com os pais, na reunião inicial, de forma a abranger os aspectos de como as crianças serão recebidas até um detalhamento sobre a rotina diária, as atividades que normalmente são propostas, o momento do lanche e a saída, ressaltando o tempo abreviado de permanência da criança na escola nessa primeira semana, o qual será ampliado gradativamente.
  • Estabelecer uma rotina de trabalho, desde o primeiro dia, mesmo que de forma flexível, mas com momentos bem definidos e tendo como marco central de tempo o horário do lanche – o que acontece antes e depois, de forma a orientar as crianças quanto ao horário dos pais chegarem;
  • Manter um contato diário com os pais, através de reuniões individuais, quando o caso assim o exigir, ou mesmo em conversas informais, no início e final do dia, para obter informações sobre a criança;
  • Um professor encaminha o trabalho pedagógico, enquanto o outro está mais disponível para se envolver com os problemas individuais de choro, vômito, etc, que inevitavelmente surgem nesse processo;
  • Iniciar o trabalho pedagógico com um tema de pesquisa que auxilie as crianças a estarem discutindo as questões acerca do novo momento em suas vidas, e com atividades voltadas para os objetivos emergentes no tocante à adaptação;
  • Prever/antecipar, organizando atividades que tragam à tona esses sentimentos, podendo ser discutidos no próprio grupo, mesmo que as crianças não falem ainda sobre seus sentimentos e as questões que a estão deixando angustiadas, é possível ao professor;
  • Estar atento para propor atividades que privilegie a capacidade de representar;
  • Ajudar as crianças a se sentirem mais confiantes, no que se refere aos constantes cuidados, de seus pais para com elas, mesmo quando estão ausentes;
  • É através da ação pedagógica de apoio às crianças nessa primeira separação de seus pais, que os professores proporcionam muitas oportunidades para que elas construam adequadamente sua autoconfiança. O conforto e confiança gerados no ambiente escolar seguro é fundamental para as crianças expressarem seus sentimentos tais como tristeza, alegria, raiva, ciúme.

 

O papel da coordenação na adaptação:

A coordenação se insere nesse processo de adaptação dando suporte ao grupo (professoras, crianças e pais) tanto no que diz respeito à adaptação propriamente dita das crianças em sala de aula, como garantindo espaços para os pais e professores destinados a partilha de sentimentos envolvidos (angústias, dúvidas, preocupações), bem como no que diz respeito ao planejamento das atividades para esse período com os professores.

 

A adaptação é, assim, um momento delicado de construção de diferentes vínculos, que necessitam ser conquistados por crianças, pais e professores. E, a despeito do que tem sido divulgado, requer pessoas qualificadas e experientes que possam levar, a tempo, o processo que não se finda, pelo contrário, está sempre reiniciando-se a cada novo momento, ao longo do processo de sua vida (FREIRE,1999).